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domingo, 9 de maio de 2010
O Encontro Marcado - Fernando Sabino
Postado por Marlon às 18:39
O Encontro Marcado de
Fernando Sabino é obra que nos faz passear pelas ruas de Belo Horizonte
conhecendo um pouco das gerações que por elas passaram e, de alguma
forma, marcaram a cidade. A obra neste tocante é muito feliz.. A
história se passa na década de quarenta e tem como protagonista Eduardo
Marciano, personagem que serviu de alento a uma juventude que, como ele,
tinha um pacto de amizade, angústias existenciais e muitas perguntas
por fazer. O incrível dessa história é que ainda hoje ela serve de
referência para as gerações que buscam um encontro interior que as
tornem mais satisfeitas com a vida. A Procura A história de Eduardo
Marciano nos é contada por um narrador que parece ser muito próximo da
personagem, pois acompanha passo a passo a sua trajetória e conta com o
domínio de quem conhece tudo sobre o rapaz. É o que chamamos de narrador
em terceira pessoa. Esse narrador abre a história propondo um pacto com
o leitor, chamando-o a participar do que vai contar: "Que significava o
quintal para Eduardo?". Mais do que depressa queremos saber a resposta
e, conhecendo - a, queremos saber mais sobre o garoto que parecia ter
toda a liberdade para ser feliz e, no entanto, não a tinha. Sua primeira
derrota já aparece no início do relato: a galinha de estimação Eduarda,
vira o almoço de domingo. Eduardo era filho único. Fazia de tudo para
manter sempre seu lugar de destaque naquela família. era mimado, cheio
de vontades e de atrevimentos, estava sempre a testar o limite das
pessoas, como qualquer garoto de sua idade. Os pais não sabiam muito bem
como lidar com as estranhezas temperamentais do filho, que amolava a
empregada, esperneava para ir à escola, chantageava por qualquer coisa.
Uma vez descobriu que arranhando o rosto deixava os pais atônitos.
Pronto! Por qualquer bobagem machucava-se até sangrar. Era um desespero
de menino mimado, prenúncio de um jovem sem limites. Eduardo sempre
precisava de um desafio para atingir alguma conquista. Certa vez,
interessou-se por uma colega da escola que era ótima aluna. Foi o
prenúncio da paixão, pela menina e pela vontade de ultrapassar seus
limites. Estudou até conseguir o primeiro lugar na sala, ao lado de
Lêda, a garota das notas boas. Alcançando assim o objetivo, Lêda deixa
de ser o alvo de suas atenções. O episódio deu a Eduardo a medida exata
de suas possibilidades. estava, então, com onze anos. Tinha todas as
curiosidades de sua época, como a descoberta de sua sexualidade, por
exemplo. Estava sempre atento para as novidades, quem dormia com quem,
quem tinha doença, com quem tinha pego... Era um garoto precoce. Logo
cedo destacou-se por seu talento na escrita; inscreveu-se numa maratona
intelectual e ganhou o segundo lugar, um prêmio em dinheiro que foi
buscar no Rio de Janeiro. Ficou por lá gastando o dinheiro do prêmio até
acabar. "Saiu pela rua, mão no bolso, sentindo que naquele momento
começava a viver. Pobreza, fome, miséria_ tudo era preciso, para
tornar-se escritor. Escrevera um conto em que dizia isso, mandara para
um concurso de contos". Ganhou algum dinheiro como premiação e tirou
disto uma lição: "Na vida tudo seria assim, a solução se apresentando
imediatamente, mal começasse a buscá-la, gozando assim as dificuldades
do problema? Na vida tudo lhe seria assim." Assim foi que Eduardo
enfrentou a vida, sempre achando que a solução se apresentaria a ele
quando precisasse. A história, porém, vai mostrar o contrário. Eduardo
consegue articular com certa facilidade seus interesses, mas nem sempre
seu interior está em paz, a busca por esse momento será o fio com que o
narrador tecerá a intriga. Um episódio marcante na vida de Eduardo foi o
suicídio de um amigo, o Jadir. Esse rapaz tinha uma família complicada,
o pai bebia, a mãe era meio desregrada, a irmã era saliente, o que
bastava para que não fosse uma boa companhia aos olhos de dona Stefânia.
Um dia antes, Eduardo comentava com Jadir que, às vezes, tinha vontade
de morrer. Falaram sobre suicídio, cada um emitiu sua opinião. Eduardo
dizia que era covardia, a menos que se fizesse um estrago louco antes,
algo que o marcasse na História. Jadir dizia que "- quem quer morrer
mesmo, não pensa em nada disso, só pensa em morrer." Acabou dando tiro
no peito. Isso naturalmente tirou o sono de Eduardo por muito tempo. Ao
contar a história de Eduardo, o narrador fornece um retrato dos costumes
de uma época, em especial o preconceito próprio de uma cidade ainda
provinciana em que o sujeito está a mercê de julgamentos
preestabelecidos, especialmente em relação ao comportamento de um
determinado grupo social. É o que acontece com a interferência de Dona
Stefânia no namoro de Eduardo com Letícia, por exemplo. Para ela a
menina não é uma boa companhia ao filho. Isso certamente porque não se
simpatizou com a liberdade que a mãe dava à garota. Seu Marciano resolve
ficar sócio de um clube, onde certamente o filho terá uma vida mais
saudável. Eduardo decide fazer natação e em pouco tempo é um dos
melhores em sua categoria. Sentia prazer com as vitórias, "Uma espécie
diferente de emoção - a de poder contar consigo mesmo, e de saber-se,
numa competição, antecipadamente vencedor." Foi um vitorioso, mas sua
obstinação deixava o pai preocupado, sempre às voltas com o estudo de
Eduardo. Formar-se era um valor para seu Marciano, uma promessa que
Eduardo não cumpriu. No colégio, não foi bom aluno. Era questionador,
rebelava-se contra a estrutura da instituição, acabou formando-se aos
empurrões. Certa vez o monsenhor do colégio chama-lhe a atenção, após
uma briga que teve com o colega Mauro. Eduardo foi atrevido, mas o seu
argumento era forte. Não foi expulso, mas Monsenhor Tavares imprimiu-lhe
uma pergunta que ele só pôde, de fato, responder muitos anos depois:
"Você acredita em Deus?" Eduardo decide que será escritor. Seu Marciano o
apresenta a Toledo, um escritor seu amigo, que será uma espécie de
ídolo para o rapaz. por seu intermédio, Eduardo inicia-se na leitura de
grandes escritores. Para Toledo, "A arte é uma maneira de ser dentro da
vida. Há outras... É uma maneira de se vingar da vida. Assim como se
você procurasse atingir o bem negativamente, esgotando todos os caminhos
do mal. É preciso ter pulso, é preciso ter estômago." Por toda a
trajetória de Eduardo e seus amigos, a voz narrativa evidencia o gosto
de uma geração pela leitura e o interesse, em especial de Eduardo, pela
palavra escrita e pelas descobertas que se podem fazer com o
conhecimento literário. Apesar disso, a luta que Eduardo empreende para
ser um escritor não se festiva. ele não consegue escrever o romance que
tanto quer. Chega, afinal, o tempo da formatura do colégio. Uma nova
etapa se descortina para Eduardo e seu grupo, um mundo que eles
desconhecem está prestes a se impor. Na despedida, Eduardo, Mauro e
Eugênio decidem marcar um encontro dali a quinze anos, naquele mesmo
lugar. Cada um segue seu destino em busca do grande encontro consigo
mesmo. Eduardo leva uma vida boêmia, o que implica pouco estudo, pouco
trabalho e muita aventura. Ele e os amigos estão sempre desafiando o
perigo. O mundo está vivendo os reflexos da segunda guerra mundial. A
ideologia dos oprimidos é a voz geral que permeia os discursos da
rapaziada. Do grupo, Mauro é o rebelde mais entusiasmado. Discursa em
lugares públicos, gera polêmicas, uma espécie mais de modismo que de
luta política. Eduardo começa a escrever artigos para o jornal e a
incorporar um novo grupo de amigos. Juntos, Eduardo, Mauro e Hugo têm
uma vida mais ou menos desregrada e audaciosa. Bebem muito desafiam a
cidade, buscam um destino. Hugo acaba sendo professor; Mauro, médico.
Eduardo arranja um bom emprego público no Rio de Janeiro, por via dos
auspícios de seu futuro sogro ministro. Tudo começa quando conhece
Antonieta, num baile no automóvel Clube. Apesar de todas as diferenças
entre eles, iniciam um namoro que vai acabar em casamento. O encontro
Eduardo não dá conta de nenhum tipo de relacionamento; nada que implique
um convívio consegue tirar o rapaz de seu individualismo exagerado. A
trajetória de seu casamento serve de pretexto para um questionamento
sobre os padrões dessa instituição .Os casais se desagregam, sempre em
busca de um conhecimento pessoal que está longe de se alcançar nesse
romance. Conforme Eduardo caminha em busca desse encontro, outros
desencontros se sucedem na narrativa. Sempre a bebida é o anestésico
para os males de Eduardo. Há sempre um pretexto para estar longe do
compromisso com Antonieta. Ora são os amigos do bar, ora é Neusa, a
vizinha insinuante, ora são os encontros clandestinos com Gerlane, a
nova namorada, tudo mostrando a incapacidade de assumir a vida como ela
se apresenta. Até o filho com Antonieta lhes escapa. Eduardo parece
estar sempre na contramão de seu destino. O relacionamento do casal,
desde o início, aponta para um desencontro. ela é uma moça rica, de pai
influente na política. Ele é de uma família de classe média. Ela mora no
Rio de Janeiro, a capital. Ele é de Belo Horizonte, uma cidade ainda
marcada pelo provincianismo. ela sabe o que quer, ele se apresenta
sempre em perspectivas. Não há entre eles brigas ou discussões
acirradas, apesar do comportamento irreverente e descompromissado do
rapaz; nesse relacionamento percebe-se que Antonieta é o elemento que
tenta a harmonia do casamento. Procura compreender o temperamento
depressivo de Eduardo e tenta ajudá-lo, mas ele sempre se mostra incapaz
de qualquer reflexão. Nessa relação, evidencia-se o crescimento pessoal
de Antonieta e a estagnação comportamental de Eduardo, um sujeito sem
referências. Ela acaba desistindo da relação e parte para cuidar de sua
vida. ele fica perdido em sua nova vida de solteiro e de desencontros. A
trajetória de Eduardo está sempre marcada por alguma perda. Além de sua
galinha Eduarda e de seu amigo Jadir, morre seu Marciano, sem mesmo que
ele pudesse estar presente. Rodrigo, um amigo do tempo da natação,
morre afogado, preso às ferragens do avião que pilotava. Morre seu
filho, ainda no ventre de Antonieta. Vítor, casado com Maria Elisa morre
tragicamente atropelado. Essa perda também deixa Eduardo muito abalado,
principalmente pelo inusitado dos fatos. Uma semana antes do acidente,
Vítor esteve com Eduardo e contou-lhe sobre um exame médico que havia
feito e que dera um resultado fatal, um câncer, mas que estava errado
pois haviam trocado sua radiografia do pulmão com o de outra pessoa.
Nesse ínterim, Vítor fez uma promessa, caso conseguisse sarar. Estavam
discutindo exatamente se a promessa deveria ser cumprida, mesmo que sua
"cura" se desse pela via do engano. Para Eduardo, a morte do amigo foi
uma fatalidade. A própria trajetória de Eduardo evidencia uma morte
lenta e gradual dos sentimentos e atitudes diante da vida. Em O Encontro
Marcado, acompanhamos o crescimento de Eduardo, e com ele, o da cidade.
No entanto, só, em sua volta a Belo Horizonte após a separação é que
ele se dá conta disso: "Encontrou a cidade diferente, mudada. Agitação
pelas ruas, prédios novos, gente andando para lá e para cá, como se
realmente tivesse urgência de ir a qualquer parte." Há na descoberta de
Eduardo, um prenúncio de que seu olhar começa a se voltar para o
exterior. Vejamos se isso de fato acontece. Eduardo percebe a cidade
diferente, sem talvez o encanto de sua juventude. encontra os amigos,
Mauro está casado e Hugo parece feliz como professor. Continua um
intelectual, cada vez mais se dedica ao estudo acadêmico, vive rodeado
dos alunos. Eduardo comparece ao encontro marcado e encontra o ginásio
em férias. Os dois amigos não compareceram. "Saiu da cidade como de um
cemitério". Na volta, faz uma parada em Juiz de fora, revê lugares e
pessoas que já não dizem mais nada para ele e segue de volta ao Rio.
Começa sua peregrinação interior, na tentativa de se encontrar. aos
poucos, vai filtrando a vida e reconstituindo o fio de sua identidade:
"Agora via em volta que seu mundo era dos outros também, carregando cada
qual a sua cruz _ pobres criaturas de Deus. E como eram simpáticas,
essas criaturas. Nada de sordidez que via antes em cada olhar, da
miséria em cada gesto, o cotidiano sem mistério, a surpresa adivinhada
em cada corpo, o segredo assassinado em cada boca." Reencontra-se com
Eugênio, agora frei Domingos. Passa a visitá-lo no convento, onde parece
sentir um pouco de alento. Perambula pela cidade, revê Neusa, que diz
estar esperando um filho seu. Eduardo não consegue assumir essa nova
situação e a moça decide não ter o filho. Aos poucos, Eduardo vai se
desligando das relações com as pessoas e a cidade. Toma uma atitude,
afinal, a seu favor. Desliga-se do emprego, deixando assim, a sua vaga
para o colega Misael. Dá seus livros para o filho desse amigo, rapaz
interessado em literatura e deslumbrado com Eduardo, como certa vez, ele
o fora com Toledo. Desfaz-se do apartamento e empreende uma grande
viagem... na busca e compreensão de si mesmo.