Nesse romance de 1979, o Autor
elabora uma trama com a nítida intenção de homenagear as pessoas
humildes, simples e puras. Já na epígrafe da narrativa, "Todo aquele,
pois, que se fizer pequeno como este menino, este será o maior no reino
dos céus.". nota-se a vontade de elevar os puros, os inocentes e os
ingênuos. Na linha da novela picaresca — vide o Dom Quixote de La
Mancha, de Cervantes —, em que o personagem desloca-se por um espaço
indefinido, à cata dos conflitos, para resolvê-los heroicamente,
Viramundo vive uma seqüência de peripécias acontecidas no Estado de
Minas Gerais, contracenando com personagens dos mais variados matizes e
comportando-se sempre como o bem-intencionado, o puro, o ingênuo
submetido às artimanhas e maldades de um mundo que ainda não está de
todo resolvido. Andarilho, louco, despossuído, vagabundo, idealista.
Marginal em uma sociedade que não entende e em que não se enquadra, o
Viramundo instaura um sentimento de ternura e de pena por todos aqueles
que, em sua simplicidade, sofrem o descaso, a ironia, a opressão e a
prepotência. Como o Quixote, com a sua amada Dulcinéia, e como Dirceu,
com a sua adorada Marília, Viramundo põe em suas ações tresvariadas a
esperança de realizar-se emocionalmente com a sua idealizada e
inalcançável Marília, filha do governador de Minas Gerais. Sua ilusão
alucinada é reforçada pelos pseudo amigos que o enganam com falsas
cartas de amor e incentivam sua loucura mansa e seu sonho impossível.
Viramundo conhece que o mundo é uma grande metáfora e o trata com
idealismo como se ele fosse real. Consertar o mundo é sua missão e ele
se dedica a ela com toda a força de sua decisão, não se deixando abalar
pelo insucesso, pelo ridículo, pela violência ou pelo vitupério. Em seu
delírio, o irreal e o real andam de mãos dadas, não há a separação entre
o concreto e o abstrato, e por isso o herói não se abala física ou
emocionalmente com nada com que se defronte: não teme os fortes, os
violentos; não se assusta com fantasmas e nem com ameaças; aceita
resignadamente o que a vida lhe reserva. Percebe-se aqui que, além de
pícaro, nosso herói pode ser considerado como bufão, pois jacta-se
tolamente sobre supostas capacidades de resolver as injustiças e o
desacerto do mundo. Não tem qualquer ligação definitiva com a vida; não
assume compromissos; é desprezado e usado por aqueles com os quais se
relaciona. A pureza deste aventureiro é a crítica à hipocrisia das
relações humanas em um mundo que perdeu o sentido da solidariedade e da
fraternidade. Sua alegria ingênua e desinteressada opõe-se ao jogo bruto
dos interesses malferidos, ao conservadorismo e à arrogância. Porta-voz
dos loucos, dos mendigos, das prostitutas, o Viramundo conhece os
meandros da enganação e da falsidade dos políticos e dos poderosos. A
crítica à mesmice, ao chavão e ao clichê faz-se pela presença da paródia
a muitos autores e personagens historicamente conhecidos. Viramundo não
era conhecido, mas termina por criar fama em razão dos casos incríveis
em que se envolve. Sob a aparência imunda de um mendigo está um sujeito
com cultura geral incomum. Sua fala de homem conhecedor surpreende e sua
experiência de ex-seminarista e ex-militar confunde e admira aqueles
com quem convive. Sua esquisitice e suas respostas prontas a todas as
indagações fazem com se acredite tratar-se de um louco manso e
inofensivo. Outro aspecto interessante é a exploração da temática da
loucura. O Autor parece convidar o leitor a uma reflexão sobre a origem e
o convívio com a idéia da excentricidade do comportamento humano.
Viramundo pode ser considerado um louco, mas quem não o é? O que a
sociedade considera loucura? Como classificar e tratar os indivíduos que
atuam em dissonância com aquilo que se considera normalidade? A
sociedade mostrada no romance está povoada de tipos que comumente
chamamos de loucos: os habitantes de Mariana agem desvairadamente ao
tentar linchar Dª. Peidolina; o diretor do hospício é mais estranho que
os próprios internos do manicômio; o capitão Batatinhas é absolutamente
alienado. Há no decorrer de toda a narrativa o questionamento da
fragilidade dos limites entre a sanidade e a loucura. No limiar da
consumação de sua caminhada, Viramundo mudou. No começo era idealista e
cheio dos cometimentos da paixão. Manteve-se assim durante muito tempo
até encarar a dura realidade da convivência humana. A série de
acontecimentos em que figura como perdedor física e emocionalmente faz
com que se desiluda. Descobre que as cartas de amor eram falsas; os
amigos eram falsos; sua crença era falsa. Por todo lado só encontra
sofrimento, opressão, hipocrisia. Está só, absolutamente só, e a solidão
é tudo que lhe resta. Seu fim é emblemático. Morre vitimado pelo
próprio irmão. Paga por um crime que não cometeu. A intertextualidade
bíblica é evidente: compara a trajetória e o comportamento de Viramundo
com a Via-Sacra do Cristo, em todos os sentidos, inclusive no sacrifício
final.
Resumos / Material
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