Quem tem Farelos? mostra cenas do processo de popularização.
Esse processo, entretanto, cresceu na mesma proporção de uma visão
social preconceituosa.
Em Quem tem farelos?, como em todas as farsas, Gil Vicente faz
uma crítica contundente a todas as classes sociais de seu tempo, desde a
nobreza até o povo, passando pelo clero. Dessa crítica, que não perdoa
nenhum segmento da pirâmide social, só escapa o camponês, que era o
sustentáculo de todo o resto. Esse tipo de crítica social já apresenta
traços do momento histórico que rompe com a cultura medieval: o
Renascimento.
Obra de crítica social, esta farsa – em que Gil Vicente se
serve, pela primeira vez, do Português na feitura de um auto –
estrutura-se na relação de poder amo/criados, estes últimos normalmente
cúmplices dos desvairados amores de seus amos. A ação, recheada de
personagens-tipo (escudeiro, criado, velha e filho) estratificadas
socialmente – identificáveis pelo vestuário, pela linguagem e pelos
gestos – decorre num só dia (manhã, noite, madrugada) e aponta para a
sua ocorrência no princípio do Verão, precisamente quando há farelos no
mercado.