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domingo, 11 de julho de 2010
Pau-Brasil - Oswald de Andrade
Postado por Marlon às 13:26
Em Pau-Brasil, põe em
prática as propostas do manifesto do mesmo nome. Na primeira parte do
livro, "História do Brasil", Oswald recupera documentos da nossa
literatura de informação, dando-lhe um vigor poético surpreendente. Na
segunda parte de Pau-Brasil - "Poemas da colonização" -, o escritor revê
alguns momentos de nossa época colonial. O que mais chama a atenção
nesses poemas é o poder de síntese do autor. No Pau-Brasil há ainda a
descrição da paisagem brasileira, de cenas do cotidiano, além de poemas
metalingüísticos. (Oswald de Andrade - Pau-Brasil) O Verso livre, o tom
de prosa, a simplicidade da linguagem e a extrema condensação, ou
síntese, são os principais elementos de modernidade deste
poema-metalinguístico, poesia sobre poesia. Ele sugere a idéia da poesia
como ingenuidade, surpresa, e também imaginação, invenção, magia,
liberdade, na medida em que é associada ao universo infantil: um
universo sem fronteiras entre sonho e realidade, um universo poético,
portanto, que pode ensinar ao adulto, talvez não exatamente a
descoberta, mas a redescoberta da poesia. Pronominais Dê-me um cigarro
Diz a gramática Do professor e do aluno E do mulato sabido Mas o bom
negro e o bom branco Da nação brasileira Dizem todos os dias Deixa disso
camarada Me dá um cigarro (Oswald de Andrade - Pau-Brasil) Aqui, a
valorização da linguagem coloquial, popular, próxima da vida, opõe a
gramática, o professor e o mulato sabido ( ou seja, a escola, a regra, a
norma, o pedantismo), ao bom negro e ao bom branco da Nação brasileira:
nacionalismo e crítica ao "mestiço", que lembra Gregório de Matos. O
Capoeira - Qué apanhá sordado? - O quê? - Qué apanhá? Pernas e cabeças
na calçada (Oswald de Andrade - Pau-Brasil) A idéia de luta é sugerida
apenas por um diálogo-relâmpago, tipicamente popular (note o texto
escrito copia a oralidade) e pela metonímia (pernas e cabeças na calçada
- a parte pelo todo), que ilustra o estilo teegráfico, extremamente
sintético, de Oswald de Andrade. Segundo Antônio Cândido , Oswald foi o
inaugurador, em nossa literatura, da transposição de técnicas de cinema -
"montagem" de cenas, tentativa de descontinuidade para causar a
impressão de "imagens simultâneas" - para o texto literário. Relicário
No baile da corte Foi o conde d'Eu quem disse Pra Dona Benvinda Que
farinha de Suruí Pinga de Parati Fumo de Baependi É comê bebê pitá e caí
(Oswald de Andrade - Pau-Brasil) Este poema é representativo da
proposta Pau-Brasil de poesia de exportação. Recontar momentos
significativos da história da colonização do Brasil de maneira irônica,
crítica, como na cena de Relicário . Nela, um personagem histórico, o
Conde d'Eu, no baile da Corte, conversa com Dona Benvinda uma "conversa
de cozinha": rítmica, folclórica, engraçada, surpreendente para o
contexto do baile da Corte. Note que o relicário significa recinto ou
lugar especial, próprio. Está na impropriedade, então, este contexto e
tipo de conversa, a ironia e a blague (a piada) oswaldianas. Canção de
Regresso à Pátria Minha terra tem palmares Onde gorjeia o mar Os
passarinhos daqui Não cantam como os de lá Minha terra tem mais rosas E
quase que mais amores Minha terra tem mais ouro Minha terra tem mais
terra Ouro terra amor e rosas Eu quero tudo de lá Não permita Deus que
eu morra Sem que eu volte para lá Não permita Deus que eu morra Sem que
eu volte para São Paulo Sem que eu veja a rua 15 E o progresso de São
Paulo (Oswald de Andrade - Pau-Brasil) Esta é a primeira paródia
modernista da Canção do Exílio de Gonçalves Dias, poeta romântico. Hino à
nacionalidade, o poema original apresenta uma visão ufanista,
idealizadora da pátria. Em sua paródia, Oswald de Andrade troca
palmeiras por palmares, mostrando, assim, o nacionalismo crítico dos
modernistas: minha terra tem opressão, escravidão, dominação e também
lutas pela libertação. Palmares é o nome do mais famoso quilombo para
onde fugiam os escravos. Há, também, uma referência clara, ao progresso
de São Paulo - símbolo do desenvolvimento econômico do país - que se
opõe à valorização da natureza presente no poema de Gonçalves Dias. Ao
dizer que os passarinhos daqui, isto é, do estrangeiro, não cantam como
os de lá - os do Brasil - Oswald relativiza o juízo de valor, a idéia da
superioridade de nossa fauna e de nossa flora em relação à Europa,
afirmando a diferença em oposição ao que se encontra em Gonçalves Dias. O
verso E quase que mais amores acentua a relativização do patriotismo
romântico a que nos referimos e, finalmente, a ausência de pontuação,
especialmente em Ouro terra amor e rosas, acaba de configurar a
modernidade da Canção de Regresso à Pátria: poema paródico que,
aparentemente imitando o texto a partir do qual foi escrito, o que faz,
na verdade, é inverter o seus sentidos através da sátira. A poesia
existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela,
sob o azul cabralino, são fatos estéticos. O Carnaval no Rio é o
acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner submerge ante os
cordões de Botafogo. Bárbaro e nosso. A formação étnica rica. Riqueza
vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança. Toda a
história bandeirante e a história comercial do Brasil. O lado doutor, o
lado citações, o lado autores conhecidos. Comovente. Rui Barbosa: uma
cartola na Senegâmbia. Tudo revertendo em riqueza. A riqueza dos bailes e
das frases feitas. Negras de Jockey. Odaliscas no Catumbi. Falar
difícil. O lado doutor. Fatalidade do primeiro branco aportado e
dominando politicamente as selvas selvagens. O bacharel. Não podemos
deixar de ser doutos. Doutores. País de dores anônimas, de doutores
anônimos. O Império foi assim. Eruditamos tudo. Esquecemos o gavião de
penacho. A nunca exportação de poesia. A poesia anda oculta nos cipós
maliciosos da sabedoria. Nas lianas da saudade universitária. Mas houve
um estouro nos aprendimentos. Os homens que sabiam tudo se deformaram
como borrachas sopradas. Rebentaram. A volta à especialização. Filósofos
fazendo filosofia, críticos, critica, donas de casa tratando de
cozinha. A Poesia para os poetas. Alegria dos que não sabem e descobrem.
Tinha havido a inversão de tudo, a invasão de tudo : o teatro de tese e
a luta no palco entre morais e imorais. A tese deve ser decidida em
guerra de sociólogos, de homens de lei, gordos e dourados como Corpus
Juris. Ágil o teatro, filho do saltimbanco. Agil e ilógico. Ágil o
romance, nascido da invenção. Ágil a poesia. A poesia Pau-Brasil. Ágil e
cândida. Como uma criança. Uma sugestão de Blaise Cendrars : - Tendes
as locomotivas cheias, ides partir. Um negro gira a manivela do desvio
rotativo em que estais. O menor descuido vos fará partir na direção
oposta ao vosso destino. Contra o gabinetismo, a prática culta da vida.
Engenheiros em vez de jurisconsultos, perdidos como chineses na
genealogia das idéias. A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e
neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos.
Como somos. Não há luta na terra de vocações acadêmicas. Há só fardas.
Os futuristas e os outros. Uma única luta - a luta pelo caminho.
Dividamos: Poesia de importação. E a Poesia Pau-Brasil, de exportação.
Houve um fenômeno de democratização estética nas cinco partes sábias do
mundo. Instituíra-se o naturalismo. Copiar. Quadros de carneiros que não
fosse lã mesmo, não prestava. A interpretação no dicionário oral das
Escolas de Belas Artes queria dizer reproduzir igualzinho... Veio a
pirogravura. As meninas de todos os lares ficaram artistas. Apareceu a
máquina fotográfica. E com todas as prerrogativas do cabelo grande, da
caspa e da misteriosa genialidade de olho virado - o artista fotógrafo.
Na música, o piano invadiu as saletas nuas, de folhinha na parede. Todas
as meninas ficaram pianistas. Surgiu o piano de manivela, o piano de
patas. A pleyela. E a ironia eslava compôs para a pleyela. Stravinski. A
estatuária andou atrás. As procissões saíram novinhas das fábricas. Só
não se inventou uma máquina de fazer versos - já havia o poeta
parnasiano. Ora, a revolução indicou apenas que a arte voltava para as
elites. E as elites começaram desmanchando. Duas fases: 10) a deformação
através do impressionismo, a fragmentação, o caos voluntário. De
Cézanne e Malarmé, Rodin e Debussy até agora. 20) o lirismo, a
apresentação no templo, os materiais, a inocência construtiva. O Brasil
profiteur. O Brasil doutor. E a coincidência da primeira construção
brasileira no movimento de reconstrução geral. Poesia Pau-Brasil. Como a
época é miraculosa, as leis nasceram do próprio rotamento dinâmico dos
fatores destrutivos. A síntese O equilíbrio O acabamento de carrosserie A
invenção A surpresa Uma nova perspectiva Uma nova escala. Qualquer
esforço natural nesse sentido será bom. Poesia Pau-Brasil O trabalho
contra o detalhe naturalista - pela síntese; contra a morbidez romântica
- pelo equilíbrio geômetra e pelo acabamento técnico; contra a cópia,
pela invenção e pela surpresa. Uma nova perspectiva. A outra, a de Paolo
Ucello criou o naturalismo de apogeu. Era uma ilusão ética. Os objetos
distantes não diminuíam. Era uma lei de aparência. Ora, o momento é de
reação à aparência. Reação à cópia. Substituir a perspectiva visual e
naturalista por uma perspectiva de outra ordem: sentimental,
intelectual, irônica, ingênua. Uma nova escala: A outra, a de um mundo
proporcionado e catalogado com letras nos livros, crianças nos colos. O
redame produzindo letras maiores que torres. E as novas formas da
indústria, da viação, da aviação. Postes. Gasômetros Rails. Laboratórios
e oficinas técnicas. Vozes e tics de fios e ondas e fulgurações.
Estrelas familiarizadas com negativos fotográficos. O correspondente da
surpresa física em arte. A reação contra o assunto invasor, diverso da
finalidade. A peça de tese era um arranjo monstruoso. O romance de
idéias, uma mistura. O quadro histórico, uma aberração. A escultura
eloquente, um pavor sem sentido. Nossa época anuncia a volta ao sentido
puro. Um quadro são linhas e cores. A estatuária são volumes sob a luz. A
Poesia Pau-Brasil é uma sala de jantar domingueira, com passarinhos
cantando na mata resumida das gaiolas, um sujeito magro compondo uma
valsa para flauta e a Maricota lendo o jornal. No jornal anda todo o
presente. Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo. Ver
com olhos livres. Temos a base dupla e presente - a floresta e a escola.
A raça crédula e dualista e a geometria, a algebra e a química logo
depois da mamadeira e do chá de erva-doce. Um misto de "dorme nenê que o
bicho vem pegá" e de equações. Uma visão que bata nos cilindros dos
moinhos, nas turbinas elétricas; nas usinas produtoras, nas questões
cambiais, sem perder de vista o Museu Nacional. Pau-Brasil. Obuses de
elevadores, cubos de arranha-céus e a sábia preguiça solar. A reza. O
Carnaval. A energia íntima. O sabiá. A hospitalidade um pouco sensual,
amorosa. A saudade dos pajés e os campos de aviação militar. Pau-Brasil.
O trabalho da geração futurista foi ciclópico. Acertar o relógio
império da literatura nacional. Realizada essa etapa, o problema é
outro. Ser regional e puro em sua época. O estado de inocência
substituindo o estada de graça que pode ser uma atitude do espírito. O
contrapeso da originalidade nativa para inutilizar a adesão acadêmica. A
reação contra todas as indigestões de sabedoria. O melhor de nossa
tradição lírica. O melhor de nossa demonstração moderna. Apenas
brasileiros de nossa época. O necessário de química, de mecânica, de
economia e de balística. Tudo digerido. Sem meeting cultural. Práticos.
Experimentais. Poetas. Sem reminiscências livrescas. Sem comparações de
apoio. Sem pesquisa etimológica. Sem ontologia. Bárbaros, crédulos,
pitorescos e meigos. Leitores de jornais. Pau-Brasil. A floresta e a
escola. O Museu Nacional. A cozinha, o minério e a dança. A vegetação.
Pau-Brasil.