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terça-feira, 20 de julho de 2010
Primeiras Estórias - Guimarães Rosa
Postado por Marlon às 20:49
Resumo
Obra publicada em 1962, reúne 21 contos. Trata-se do primeiro conjunto
de histórias compactas a seguir a linha do conto tradicional, daí o
"Primeiras" do título. O escritos acrescenta, logo após, o termo
estória, tomando-o emprestado do inglês, em oposição ao termo História ,
designando algo mais próximo da invenção, ficção. No volume, aborda as
diferentes faces do gênero: a psicológica, a fantástica, a
autobiográfica, a anedótica, a satírica, vazadas em diferentes tons: o
cômico, o trágico, o patético, o lírico, o sarcástico, o erudito, o
popular. As estórias captam episódios aparentemente banais. As
ocorrências farejadas através dos protagonistas transformam-se de uma
espécie de milagre que surge do nada, do que não se vê, como diz o
próprio Guimarães Rosa; "Quando nada acontece, há um milagre que não
estamos vendo". Este milagre pode ser então, responsável pela poesia
extraída dos fatos mais corriqueiros, pela beleza de pensar no cotidiano
e não apenas vivê-lo, pelo amor que se pode ter pelas coisas da terra,
pelo homem simples, pelo mistério da vida. Dos "causos " narrados brotam
encanto e magia frutos da sensibilidade de um poeta deslumbrado com a
paisagem natural e/ou recriada de Minas Gerais. Enredos I -
"As margens da alegria". Um menino descobre a vida, em ciclos
alternados de alegria (viagem de avião, deslumbramento pela flora, e
fauna) e tristeza (morte do peru e derrubada de uma árvore). II -
"Famigerado". O jagunço Damázio Siqueira atormenta-se com um
problema vocabular: ouviu a palavra "famigerado" de um moço do governo e
vai procurar o farmacêutico, pessoa letrada do lugar, para saber se tal
termo era um insulto contra ele, jagunço. III - "Sorôco, sua mãe,
sua filha". Um trem aguarda a chegada da mãe e da filha de Sorôco,
para conduzi - las ao manicômio de Barbacena. Durante o trajeto até a
estação, levadas por Sorôco , elas começam surpreendentemente a cantar.
Quando o trem parte, Sorôco volta para casa cantando a mesma canção, e
os amigos da cidadezinha , solidariamente, cantam junto. IV - "A
menina e lá". Nhinhinha possuía dotes paranormais : seus desejos,
por mais estranhos que fossem, sempre se realizavam. Isolados na roça,
seus parentes guardam em segredo o fenômeno, para dele tirar proveito.
As reticentes falas da menina tinham caráter de premonição: por exemplo,
o pai reclamara da impiedosa seca. Nhinhinha "quis" um arco-íris, que
se fez no céu, depois de alentadora chuva. Quando ela pede um
caixãozinho cor-de-rosa com enfeites brilhantes ninguém percebe que o
que ela queria era morrer... V - "Os irmão Dagobé". O valentão
Damastor Dagobé, depois de muito ridicularizar Liojorge, é morto por
ele. No arraial, todos dão como certa a vingança dos outros Dagobé :
Doricão , Dismundo e Derval. A expectativa da revanche cresce quando
Liojorge comunica a intenção de participar do enterro de Damastor. Para
surpresa de todos, os irmãos não só concordam, como justificam a atitude
de Liojorge, dizendo que Damastor teve o fim que mereceu. VI - "A
terceira margem do rio". Um homem abandona família e sociedade,
para viver à deriva numa canoa, no meio de um grande rio. Com o tempo,
todos, menos o filho primogênito, desistem de apelar para o seu retorno e
se mudam do lugar. O filho, por vínculo de amor, esforça-se para
compreender o gesto paterno: por isso, ali permanece por muitos anos. Já
de cabelos brancos e tomado por intensa culpa, ele decide substituir o
pai na canoa e comunica-lhe sua decisão. Quando o pai faz menção de se
aproximar, o filho se apavora e foge, para viver o resto de seus dias
ruminando seu "falimento" e sua covardia. VII - "Pirlimpsiquice".
Um grupo de colegiais ensaia um drama para apresentá-lo na festa do
colégio. No dia da apresentação, há um imprevisto, e um dos atores se vê
obrigado a faltar. Como não havia mais possibilidade de se adiar a
apresentação, os adolescentes improvisam uma comédia, que é
entusiasticamente bem recebida pela platéia. VIII - "Nenhum,
nenhuma". Uma criança, não se sabe se em sonho ou realidade, passa
férias numa fazenda, em companhia de um casal de noivos, de um homem
triste e de uma velha velhíssima, de quem a noiva cuidava. O casal
interrompe o noivado, e o menino, que conhecera o Amor observando-os,
volta para a casa paterna. Lá chegando, explode sua fúria diante dos
pais ao notar que eles se suportavam, pois tinham transformado seu
casamento num desastre confortável. IX - "Fatalidade". Zé
Centeralfe procura o delegado de uma cidadezinha, queixando-se de que
Herculinão Socó vivia cantando sua esposa. A situação tornara-se tão
insuportável que o casal mudara de arraial. Não adiantou: o Herculinão
foi atrás. O delegado, misto de filósofo, justiceiro e poeta, depois de
ouvir pacientemente a queixa, procura o conquistador e, sem a mínima
hesitação, mata-o, justificando o fato como necessário, em nome da paz e
do bem-estar do universo. X - "Seqüência". Uma vaca fugitiva
retorna a sua fazenda de origem. Decidido a resgatá-la, um vaqueiro
persegue-a com incomum denodo. Ao chegar à fazenda para onde a vaca
retornara, o vaqueiro descobre que havia outro motivo para sua
determinação: a filha do fazendeiro, com quem o rapaz se casa. XI -
"O espelho". Um sujeito se coloca diante de um espelho, procurando
reeducar seu olhar. apagando as imagens do seu rosto externo. A
progressão desses exercícios lhe permite, daí a algum tempo, conhecer
sua fisionomia mais pura, a que revela a imagem de sua essência. XII
- "Nada e a nossa condição". O fazendeiro Tio Man 'Antônio, com a
morte da esposa e o casamento das filhas, sente-se envelhecido e
solitário. Decide vender o gado, distribuindo o dinheiro entre as filhas
e genros. A seguir, divide sua fazenda em lotes e os distribui entre os
empregados, estipulando em testamento uma condição que só deveria ser
revelada quando morresse. Quando o fato ocorre, os empregados colocam
seu corpo na mesa da sala da casa-grande e incendeiam a casa: a insólita
cerimônia de cremação era seu último desejo. XIII - "O cavalo que
bebia cerveja". Giovânio era um velho italiano de hábitos
excêntricos: comia caramujo e dava cerveja para cavalo. Isso o tornara
alvo da atenção do delegado e de funcionários do Consulado, que convocam
o empregado da chácara de "seo Giovânio", Reivalino, para um
interrogatório. Notando que o empregado ficava cada vez mais ressabiado e
curioso, o italiano resolve então abrir a sua casa para Reivalino e
para o delegado: dentro havia um cavalo branco empalhado. Passado um
tempo, outra surpresa: Giovânio leva Reivalino até a sala, onde o corpo
de seu irmão Josepe , desfigurado pela guerra, jazia no chão. Reivalino é
incumbido de enterrá-lo, conforme a tradição cristã. Com isso,
afeiçoa-se cada vez mais ao patrão, a ponto de ser nomeado seu herdeiro
quando o italiano morre. XIV - "Um moço muito branco". Os
habitantes de Serro Frio, numa noite de novembro de 1872, têm a
impressão de que um disco voador atravessou o espaço, depois de um
terremoto. Após esses eventos, aparece na fazenda de Hilário Cordeiro um
moço muito branco, portando roupas maltrapilhas. Com seu ar angelical,
impõe-se como um ser superior, capaz de prodígios: os negócios de
Hilário Cordeiro, o fazendeiro que o acolheu, têm uma guinada
espantosamente positiva. Depois de fatos igualmente miraculosos, o moço
desaparece do memo modo que chegara. XV - "Luas-de-mel". Joaquim
Norberto e Sa- Maria Andreza recebem em sua fazenda um casal fugitivo,
versão sertaneja de Romeu e Julieta. Certos de que os capangas do pai da
moça virão resgatá-la, todos se preparam para um enfrentamento: a casa
da fazenda transforma-se num castelo fortificado. É nesse clima de
tensão que se celebra o casamento dos jovens, a que se segue a
lua-de-mel, que acontece em dose dupla: dos noivos e do velho casal de
anfitriões, cujo amor fora reavivado com o fato. Na manhã seguinte, a
expectativa se esvazia com a chegada do irmão da donzela, que propõe
solução satisfatória para o caso. XVI - "Partida do audaz
navegante". Quatro crianças, três irmãs e um primo, brincam dentro
de casa, aguardando o término da chuva. A caçula, Brejeirinha , brinca
com o que lhe dava mais prazer: as palavras. Inventa uma estória do tipo
Simbad , o marujo, que ganha novos elementos quando todos vão brincar
no quintal, à beira de um riacho. Liberando sua fantasia, Brejeirinha
transforma um excremento de gado no "audaz navegante", colocando-o para
navegar riacho abaixo. XVII - "A benfazeja". Mula- Marmela era
mulher de Mumbungo , sujeito perverso que se excitava com o sangue de
suas vítimas. Esse vampiro tinha um filho, Retrupé , cujo prazer só
diferia do do pai quanto à faixa etária das vítimas: preferia as mais
frescas. Apesar de amar seu homem e ser correspondida, Mula-Marmela não
hesitara em matá-lo e depois cegar Retrupé, de quem se torna guia.
Passado algum tempo, resolve assassiná-lo: percebe que esta seria a
única maneira de refrear o instinto de lobisomem do rapaz. XVIII -
"Darandina". Um sujeito bem- vestido rouba uma caneta, é
surpreendido e, para escapar dos que o perseguem, escala uma palmeira.
Uma multidão acompanha atentamente os esforços das autoridades, que
procuram convencer o rapaz a descer. Resistindo, ele diz frases
desconexas e tira toda a roupa, revelando notável equilíbrio físico. A
sessão de nudismo leva um médico a nova tentativa de diálogo. Ao se
aproximar, o médico percebe que o sujeito voltara à normalidade e que,
envergonhado, pedia socorro. A multidão, sentindo-se ludibriada, não
aceita essa sanidade repentina e se dispõe a linchá-lo. Sentindo o
risco, o sujeito berra um grito de louvor à liberdade, motivo bastante
para a multidão ovacioná-lo e carregá-lo nos ombros. XIX -
"Substância". O fazendeiro Sionésio apaixona-se por sua empregada
Maria Exita , que fora abandonada pela família e criada pela peneireira
Nhatiaga . Na fazenda, o ofício de Maria Exita era o de quebrar
polvilho, trabalho duro mas que a moça realizava com prazer e
competência. Embora preocupado com a ascendência da moça, Sionésio sente
que a paixão é maior que o preconceito e pede-a em casamento. XX -
"Tarantão, meu patrão". O fazendeiro João - de - Barros - Dinis -
Robertes tem uma surpreendente explosão de vitalidade em sua velhice
caduca. Como se fora um Quixote, determina-se a matar seu médico: o
Magrinho, seu sobrinho - neto. Ao longo da viagem rumo à cidade, recruta
um bando de desocupados, ciganos e jagunços, que acatam sua liderança,
pelo carisma natural do velho. Chegando à "frente de batalha", Tarantão
percebe que era dia de festa: uma das filhas de Magrinho fazia
aniversário. O susto inicial, provocado pela invasão do "exército",
transforma-se em alívio quando o velho discursa, dizendo de seu apreço
pela família e pelos novos amigos, colecionados ao longo da última
cavalgada. XXI - "Os cimos". O menino da primeira estória revela agora a
face do sofrimento, causado pela doença da Mãe, fato que apressa sua
viagem de volta à casa paterna. Os últimos dias de férias são de
preocupação. O Menino só relaxava quando via, todas as manhãs e sempre à
mesma hora, um tucano se aproximar da casa dos rios, onde se hospedava.
Num processo de sublimação, desencadeado pela beleza da ave, o Menino
ganha energia para resistir e para transferir à Mãe uma carga de fluidos
mentais positivos, que lhe permitam superar a doença. Quando o Tio o
procura para comunicar a melhora da Mãe, o Menino experimenta momentos
de êxtase, pois só ele sabia do motivo da cura. Foco Narrativo As
indicações feitas a seguir são pontuadas com os algarismos que indicam a
ordem de publicação de cada estória no livro. Assim, dez delas têm o
foco relato centrado na terceira pessoa: I-" As margens da alegria";
II-" Famigerado" ;III- "Sorôco, sua mãe, sua filha"; IV-"A menina de
lá"; V-" Os irmãos Dagobé"; VIII-" Nenhum , nenhuma"; X-"Seqüência ";
XIV-"Um moço muito branco"; XIX-" Substância" e XXI-"Os cismos". As onze
estórias restantes são relatadas em primeira pessoa: VI-"A terceira
margem do rio"; VII- " Pirlimpsiquice"; IX-" Fatalidade "; XI-"O
espelho"; XII- "Nada e a nossa condição"; XIII-"O cavalo que bebia
cerveja"; XV-" Luas de mel"; XVI-" Partida do audaz navegante"; XVII-"A
benfazeja"; XVIII-" Darandina " e XX-"Tarantão, meu patrão". Dessas onze
estórias, apenas duas apresentam o narrador como protagonista: "O
espelho" e "Pirlimpsiquice"; nas outras, o relato é feito por um
espectador privilegiado, que presencia a ação e registra suas impressões
a respeito do que assiste. O narrador pode ser também um personagem
secundário da estória, com laços de parentesco ou e amizade com o
protagonista. Quanto ao emprego dos tempos verbais, nota-se que, na
maior parte das estórias, o relato se faz através de uma mistura do
pretérito perfeito com o pretérito imperfeito do indicativo. Espaço
A maioria das estórias se passa em ambiente rural não especificado, em
sítios e fazendas; algumas têm como cenário pequenos lugarejos, arraiais
ou vilas. Os ambientes são apresentados com poucos mas precisos toques:
moldura de altos morros, vastos horizontes, grandes rios, pastos
extensos, escassas lavouras. Duas estórias, no entanto - "O espelho" e
"Darandina" -, transcorrem em cidades, pressupostas até como grandes
centros urbanos, pelo fato de mencionarem a existência de secretarias de
governo, hospício, corpo de bombeiros, jornalistas, parques de
diversões, prédios de repartições públicas e outros serviços tipicamente
urbanos.Personagens Embora variem muito quanto à faixa etária e
experiência de vida, as personagens se ligam por um aspecto comum: suas
reações psicossociais extrapolam o limite da normalidade. São crianças e
adolescentes superdotados, santos, bandidos, gurus sertanejos, vampiros
e, principalmente, loucos: sete estórias apresentam personagens com
este traço