Uma
tarde, o jornalista Carlos Heitor Cony recebe inesperadamente um
envelope. Reparando bem, identifica no sobrescrito a letra do pai
falecido havia dez anos. A visão do embrulho desata a memória, e tem
início, assim, a cerimônia de reencontro de um filho com seu pai. De um
simples pacote, ainda não aberto, saltam alguns sinais: a técnica de
fazer o embrulho, a perfeição do nó no barbante, o formato da letra, a
tinta roxa e certos cheiros (de alfazema, de brilhantina e de manga).
Cada sinal trás de volta uma história inesperada do homem Ernesto Cony
Filho, que possuía um formidável apetite de viver. Apetite que se
manifestava nas maneiras de reinventar a vida com muito bom- humor ,
mesmo em momentos difíceis, quando perde o posto nas redações de jornais
devido a reviravoltas na política brasileira. Nem quando Carlos Heitor
Cony esteve no Seminário houve separação e ausência. O pai dava um jeito
de aparecer, sempre inesperadamente, no meio de cerimônias públicas
para entregar ao menino Cony um sanduíche de presunto, um prato com
deliciosa comida de botequim. Para quem viver era mais importante que
ganhar dinheiro, os sonhos eram fundamentais: uma viagem à Itália, para
estabelecer contatos promocionais entre uma estação de águas medicinais e
o Brasil, ficou pela metade, mas era contada para sempre como se
tivesse acontecido, com os detalhes precisos, com entusiasmo e
convicção. No quase - romance , pequenos gestos ganham dimensão de
grande aventura e poesia: separar papéis de seda de várias cores, fazer
balões, soltar balões, recolher o balão que volta à casa em que foi
construído. Cruzando os céus e o tempo, os balões são o símbolo da mais
forte e definitiva relação entre dois homens - pai e filho. O escritor
Carlos Heitor Cony, carioca, nascido em 1926, é um grande nome da
literatura brasileira da atualidade. Com este romance, que ganhou o
prêmio Jabuti em 1996, rompe com a tradição dos memorialistas
brasileiros para quem escrever sobre o passado é uma forma de fazer um
acerto de contas com a família, de se vingar de pessoas que ficaram pelo
caminho. A memória, quando é quase - memória , não se apresenta como
testemunha da história, nem como escrita do ressentimento. Torna-se,
principalmente, uma maneira de se expressar a alegria de lembrar do
passado, além de reafirmar cumplicidades definitivas, como a criada com o
homem que nos toma pela mão e nos leva para o mundo, o nosso pai.
Resumos / Material
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