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domingo, 23 de agosto de 2009
Antologia Poética - Carlos Drummond de Andrade
Postado por Marlon às 15:31
Antologia Poética - Carlos Drummond de Andrade
- Resumo -
Explicação
Meu verso é minha consolação.
Meu verso é minha cachaça. Todo mundo tem sua cachaça.
Para beber, copo de cristal, canequinha de folha-de-flandres.
folha de taioba, pouco importa: tudo serve.
Para louvar a Deus como para aliviara peito,
queixara desprezo da morena, cantar minha vida e trabalhos
é que faço meus versas. E meu verso me agrada
Se meu verso não deu certo, foi seu ouvido que entortou.
Eu não disse ao senhor que não sou senão poeta?
Sob o título prov,sório de Reunião, Drummond publicou em 1969, um volume contendo dez livros de poesia:
Alguma poesia (1930), Brejo das almas (1934), Sentimento do mundo (1940), José (1942), A Rosa do povo (1945), Novos
poemas (1948), Claro enigma (1951), Fazendeiro do ar (1954), A vida passada a limpo (1959), Lição de coisas (1962).
Ao organizar a sua Antologia poética, em 1962, Dmmmond optou por apresentá-la em certos núcleos temáticos,
que seriam, segundo suas próprias palavras, certas características, preocupações ou tendências que a condicionam ou
definem em conjunto A Antologia lhe pareceu assim mais vertebrada e, por outro lado, espelho mais fiel.
Para fazermos esta travessia de iniciação à sua obra, optamos por seguir a arquitetação proposta por ele, além
disso, incluímos o livro a que pertence cada poema, para que se possa identificá-lo nos momentos da criação de
Drummond.
Um eu todo retorcido
Poema de sete Faces
(Alguma poesia)
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai Carlos’ Ser gauche na vida
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta
meu coração
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo seria uma rima,
não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
As sete faces correspondem a sete estrofes, como se fosse um retrato em sete partes. Poema tipicamente modernista,
de ruptura com as convenções. Descontínuo, inesperado, coloquial. Escrito com versos livres e com estrofes heterogêneas
lrônico: neste poema de descoberta do eu e do mundo Drummond se coloca como gauche — um desajeitado — mas cujo
coração transborda, mais vasto que o mundo, com humor desencantado, sarcástico. Com uma secura que represa a
emoção. Anti-linca. Observe o tom de confidência da última estrofe, onde o poeta assume a emoção, embora a atribua ao
conhaque e à lua...
Uma província: esta
Confidência do itabirano
(Sentimento do mundo.)
Alguns anos vivi em ltabira.
Principalmente nasci em ltabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
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Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de ltabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.
De ltabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...
tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
ltabira é apenas uma fotografia na parede
Mas como dói!
Cidadezinha qualquer
(Alguma poesia)
Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar.., as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus.
Estes dois poemas são referências para toda a obra de Drummond O primeiro, um autoretrato, e o segundo, um flash
de uma cidadezinha qualquer, ambas constituem reelaborações poéticas de sua cidade natal, ltabira. Enquanto em
Confidência do itabirano há expressivas antíteses, de ironia amarga e sutil (por exemplo, hábito de sofrer / que tanto me
diverte / doce herança itabirana), em Cidadezinha qualquer os verbos no infinitivo, as repetições e uma prosopopéia
(Devagar.., as janelas olham) expressam o tédio, a monotonia da vida no interior, que no entanto deixa tanta saudade,
como mostram os versos finais, antolôgicos, de Confidência do itabirano.
A família que me dei
Infância
(Alguma poesia)
Meu pai montava a cavalo, ia para campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé
Comprida história que não acaba mais.
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala — e nunca
se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.
Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
— Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!
Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.
E eu não sabia que minha história
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era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
Outro antológico poema “itabirano”. Observe que o prosaico, o cotidiano — montar a cavalo, ir para o campo,
fazer criança dormir, tomar o café da preta velha, ler histórias — são transformados em elementos poéticos intensamente
expressivos, com uma simplicidade essencial, raramente atingida na poesia brasileira. Novamente, versos livres, estrofes
heterogênias, linguagem coloquial.
Cantar de amigos
Mário de Andrade desce aos infernos (fragmento)
(A Rosa do povo)
Daqui a vinte anos farei teu poema e te cantarei com tal suspiro
que as flores pasmarão, e as abelhas, confundidas, esvairãc seu mel.
Daqui a vinte anos poderei
tanto esperar o preço da poesia? É preciso tirar da boca urgente
o canto rápido, ziguezagueante, rouco, leito da impureza do minuto
e de vozes em febre, que golpeiam
esta viola desatinada
tio chão, no chão.
Escrito para a morte de Mário de Andrade, este fragmento já revela a tensão do teto, a intensidade emocional do
poema. Tendo como tema o desconcerto diante da morte (observe as imagens da natureza caótica, a repetição no chão, no
chão que dá maior ênfase ao desatino, ao desespero), Drummond anuncia um poema futuro no entanto realizado no
aqui/agora da perplexidade, da comoção.
Amar-Amaro
Mãos dadas
(Sentimento do mundo)
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins
o tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.
Este é um dos mais fundamentais poemas políticos de todo o Modernismo. Texto engajado, comprometido,
participante, e, ao mesmo tempo, de grande força poética. Ritmo intenso, imagens intensas. Observe o tom da fala, de
oralidade a linguagem coloquial muito expressiva, acentuada pela pulsação livre dos versos. Na construção do poema,
observe a enumeração de negações — que recusam as variadas formas de escapismos românticos, de fuga da realidade.
A repetição de palavras, em especial a palavra presente, carrega ainda mais o texto de alta tensão poética.
Canção amiga
(Novos poemas.)
Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.
Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não me vêem, eu vejo
e saúdo velhos amigos.
Eu distribuo um segredo
como quem ama ou sorri.
No jeito mais natural dois carinhos se procuram.
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Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tomei outras mais belas.
Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as criancas.
Canção amiga é um aos textos de ritmo mais fluente e mais musical de toda a obra de Drummond, fundado em versos
redondilhos maiores (sete sílabas). As imagens são de uma simplicidade iluminada. Neste poema, a desejada unidade
harmónica da vida — para além das negações, das rupturas, das cisões, das precariedades — está anunciada: há uma rara
e difícil positividade das idéias e das metáforas. Observe a interação entre os versos redondilhos, as estrofes regulares
(quatro de quatro versos, uma de três versas) e o coloquial intensamente expressivo.
Os ombros suportam o mundo
(Sentimento do mundo)
Chega um tempo em que não se diz mais meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abriras.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandescem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou em tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
Outro poema político e existencial de grande intensidade, representante da poesia social de Drummond, aquela em que o
coração é menor, muito menor que o mundo. Questionador da relação conflituosa do indivíduo e do mundo, numa
perspectiva anti-romântica, antilírtca convencional, chamando à vida que há por se fazer. Texto que exemplifica como a
linguagem coloquial e a imagens diretas podem ser altamente expressivas, no reconhecimento da necessidade de percebe
que a vida é uma ordem, sem mistificação, sem ilusões vãs, com sobriedade, clareza e desencanto irônico, amargo,
embora não resignado.
Uma, duas argolinhas
Quadrilha
(Alguma poesia)
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Mana que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia.
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
Poema-piada, em versos livres, tipicamente modernista e drurnmondiano: carregado de antilirismo, de ironia seca
e amarga, sobre os desconcertos do amor, sobre a cadeia de desencontros e a permanente falta de correspondência das
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relações amorosas, mas com humor, que se acentua na figura de Lili, a que não amava e que se casa... Corno se o
casamento nada tivesse a ver com as histórias de amor.
Amar
(Claro enigma)
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de
rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
Poema filosófico de alto nível, observe os ritmos, ao mesmo tempo tensos e fluentes, a complexa rede de metáforas
enumeradas. O texto funde o lírico da temática amorosa e o épico da reflexão coletiva, universal, sobre a necessidade de
amar. A linguagem funde o coloquial — amar e malamar — e o culto — e amar o inóspito.
Atravessando de indagações e de respostas, este é um dos mais significativos poemas de amor de toda a língua
brasileira.
Poesia contemplada
Procura da poesia (fragmento)
(A rosa do povo)
Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há cnação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à infusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixe-a em paz
O canto não é o movimento das máquinas nem o searedo das casas.
Não é música ouvida de passagem; rumor do mar nas ruas junto á linha de espuma.
(...)
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consuma
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceite-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta
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pobre ou legível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara:
ermas de melodia e conceito,
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono
Rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
Outro poema fundamental na obra de Drummond e no Modernismo brasileiro. Metapoema, metalinguagem. Poesia
que fala de poesia. A concepção é universal na poética moderna: a poesia se faz com palavras, a poesia está na
linguagem. O fazer poético é penetração no reino das palavras, descoberta de suas faces secretas, que se escondem sob a
face neutra, aparente, usual.
Na praça de convites
Da materiais da vida
(A vida passada a limpo)
Dris? Faço meu amor em vidrotil
Nossos coitos são de modernfold
Até que a lança de interflex
Vipax nos separe em clavílux
Camabel camabel o vale ecoa
Sobre o vazio de ondalit
A noite asfáltica plkx
Poema de experimentação verbal, de experiências com as palavras: criação de neologismos, disposições visuais
significantes, jogos sonoros fragmentários, descontinuidade. radical dos versos. Observe a intensa ironia drummondiana.
parodiando os termos e os slogans da sociedade de consumo altamente urbana e industrial.
Tentativa de exploração e de interpretação do estar-no-mundo
No meio do caminho
(Alguma poesia)
Nomeio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio de caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
Provavelmente este é o mais polêmico poema da história do Modernismo, por sua concepçao e sua estrutura
revolucionárias: os versos se repetem, circulares, em tomo da pedra (a frase vai até a pedra e volta, sem ultrapassá-la). Por
essa organização sintática pelo radical coloquialismo da linguagem, pelas inumeráveis leituras metafóricas que possibilita,
este poema tornou-se um símbolo da poesia de Drummond e do Modernismo brasileiro. No meio do caminho, de poesia
anti poética, de lírica antilírica, ilustra a travessia do poeta e de todos nós entre o individual e o social, o coração e a pedra
no meio do caminho, o mundo.
A máquina do mundo
(Claro enigma) (fragmento)
E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos
que era pousado e seco e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
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Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.
baixei os olhos, incunoso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a pneu engenho.
A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.
Poema épico-filosófico de dimensão universal. Escrito em tercetos/estrofes de três versos (como a Divina comédia, de
Dante) e em versos decassílabos camonianos, sem rima. O texto representa o tema da máquina do mundo, do episódio de
ilha dos amores (Os Lusíadas), em que Vênus, em homenagem às conquistas portuguesas, revela a Vasco da Gama a
máquina do cosmos, a estrutura do universo, síntese da concepção da natureza. Numa postura moderna, radicalmente antiépica,
anti-heróica, o narrador-personagem se recusa a contemplá-la e continua o caminho, de mãos pensas...