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quarta-feira, 16 de junho de 2010
Os Papéis do Coronel - Harry Laus
Postado por Marlon às 07:38
Um coronel aposentado
isola-se em Porto Belo para escrever um livro. Seu nome? Todos o
conheciam por Coronel. Como é um livro dentro de outro, Harry Laus
alterna capítulos que mostram o cotidiano do Coronel em Porto Belo, seu
universo interior, seu processo literário e capítulos escritos pelo
próprio Coronel. Pois bem: No livro escrito pelo Coronel, ele conta sua
vida desde o começo da carreira militar, o casamento com Elza Alves, o
nascimento do filho, Alírio, as promoções, as sucessivas transferências
para Juiz de Fora, Natal, Corumbá e Rio de Janeiro até a maturidade de
Alírio , que se tornou pintor. Tudo leva a crer, até o final da obra de
Harry Laus, que o livro do Coronel seja uma autobiografia realista,
apesar de narrado na 3a pessoa: Ele não escreve "Eu fui promovido a
Major" e sim " Vitório de Lima e Silva foi promovido a Major. "Na
verdade, o Coronel mistura ficção e realidade. Mas só na penúltima
página é que se vai descobrir que Elza e Alírio nunca existiram - são
apenas personagens fictícios que povoavam a imaginação do Coronel. Só a
imaginação? Não. A solidão também. Mesmo no cotidiano em Porto Belo, o
Coronel pensa em Elza e Alírio como se realmente eles existissem. Chega
mesmo a desejá-los junto a si, sabendo que é impossível. Veja este
trecho. Voltou à varanda e sentou-se satisfeito para admirar a tarefa
que havia concluído (horta). "Ao homem cabe apenas semear", pensou "à
terra cabe germinar". O Coronel nunca sentiu tanta falta de Elza e
Alírio como naquele momento de sorrateira tristeza... estaria se
referindo à mulher e ao filho que ele não teve? Analogamente, semear
corresponde a fecundar e mulher, a terra que germina. A obra de Harry
Laus termina assim: O Coronel revelando seu projeto de assistir à virada
do século em Nova York ou em Paris nos Champs Elisées. Vitório de Lima e
Silva, habitante da Terra desde 1902, não veria despontar o novo
século; o Coronel, com vinte anos a menos... (percebeu? Vitório de Lima e
Silva não é o verdadeiro nome do Coronel, como também as idades são
diferentes. Por este cálculo seria de 1922, e teria, portanto, a mesma
idade de Harry Laus. Ou seja: Vitório é tão Coronel quanto o Coronel é
Harry Laus. Não seriam então, o Coronel e Vitório, os papéis despachados
por Harry Laus? Pois na introdução desta obra há um poema de Paulo
Leminsky que diz: O outro que há em mim é você. Você E você... Mas,
voltando ao texto interrompido... o Coronel, com vinte anos a menos,
poderia manter essa esperança, mesmo sem as figuras fictícias de mulher e
filho que lhe povoavam a imaginação. Ainda que sozinho, pensou (...)
Quem sabe - imaginou - entre a resplandecência dos fogos de artifício...
quem sabe se nesse momento de nervosa exaltação não poderia ver Alírio
surgir no meio do povaréu, procurando-o aflito. Chegaria ofegante e
diria sorrindo: - Vamos, pai. Pensei que não o encontrasse mais. (Você
pode pensar: então o Coronel era maluco? Pois se Alírio não existia!)
Maluco não. Apenas um escritor. E extremamente solitário. Através do
Coronel, Harry Laus retrata o sofrido, solitário e envolvente processo
de escrever e, neste caso, tambem de viver. O resumo A obra de Harry
Laus alterna: 1. Capítulos do Coronel em Porto Belo/Seu universo
interior. 2. O livro do Coronel 1. Às vezes as histórias se fundem, como
no diálogo entre Vitório e a namorada de Alírio (Ponciana): - Então o
senhor é General? - Por favor, me chame de Coronel. - O senhor esteve na
guerra? - Não. - Tomou parte em alguma batalha? - Não. - O diálogo com
Ponciana deixou o Coronel exasperado. Largou a caneta e levantou-se da
mesa. Andou às escuras, acendeu luzes ... voltou ao quarto e sentiu
profundo desgosto por tudo o que tinha escrito. Agora vamos por partes. O
cotidiano do Coronel em Porto Belo tem pouca, ou quase nenhuma ação, e
muito sentimento ( a vida em Porto Belo era de uma pasmaceira
enervante). O Coronel vai revelando suas mais profundas angústias,
questionamentos e solidão. Por exemplo: A frustração com a carreira
militar, profissão que não lhe rendeu nenhuma glória (há profissões que
terminam antes que a vidas se encerre, outros prolongam-se até a morte
e, as mais nobres, permanecem depois dela). Quando a escrever, o Coronel
se esmerava e sofria na busca da perfeição (arte é resumo, é sumo, é
essência). Lera uma vez em Tchekov que se aparecer uma espingarda num
conto, ela tem que atirar. Nada deve ser gratuito, nenhuma palavra vã...
(A lembrança da ponte pênsil, em Florianópolis, deixou o Coronel
perplexo. Milhares de parafusos cuja existência nem se consegue perceber
e tudo absolutamente necessário: uma verdadeira obra de arte, como deve
ser a criação literária. O Coronel, desde os tempos do Exército,
adorava fazer hortas. Trouxe de Florianópolis três pacotinhos coloridos,
citados no começo da obra, que eram sementes de rabanete, beterraba e
alface. Gostava de participar de alguma forma no processo de germinação
daquelas coisas vivas, as hortaliças. Outra fonte de angústia: o
envelhecimento. (O choque maior recebeu num ônibus onde viajava de pé:
uma bela estudante ofereceu-lhe o lugar que ele recusou, risonho mas
ofendido). No fim, concluiu que a idade só conta para quem nos vê de
fora. Parou de ler o obituário do jornal, convencido de que ainda não
estava tão velho para pensar na morte. Seus impulsos homossexuais,
dissimulados a vida inteira, também são revelados. (Nas noites de
Sábado, recebia a visita dos rapazes de Porto Belo. Tinham entre 17 e 20
anos, a maioria filhos de pescadores - só Lalo, Macaco e Lazinho eram
filhos de comerciantes. Na casa do Coronel, comiam e bebiam de graça,
pois seu dinheiro era curto. Depois iam bolinar as meninas ... Às vezes
um deles bebia demais (ou fingia estar bêbado) e acabava dormindo lá
mesmo (ou fingia que dormia) ... O Coronel nem sempre resistia à beleza
incandescente e disponível do corpo adormecido no sofá ou no quarto de
hóspedes. A estes, o Coronel costumava repensar com dinheiro, fora o que
dele furtavam. Mas a satisfação do impulso tinha no fundo um gosto
amargo. Certa vez recebeu a visita de Bernardo, colega dos tempos da
Escola Militar. Os rapazes chegaram. Bernardo, chocado com aquela
intimidade - os rapazes chamando o Coronel de "tu", contando sacanagens -
foi embora sem se despedir e deixou um bilhete: tenho nojo de você.
Personagens Os rapazes de Porto Belo (Lalo morreu num acidente de moto)
Lila , a empregada do Coronel Elizeth , a cachorrinha 2. O livro do
Coronel: Começa em Joinville, num baile de carnaval, quando Vitório de
Lima e Silva era um simples aspirante a Oficial. Neste baile, conheceu
Elza Alves, com quem se casou e teve um filho, Alírio. Em plena
lua-de-mel, rebentou a Revolução de 30. Que importância teve a Revolução
de 30 na vida de Vitório? Nenhuma. Fôra um simples secretário de
batalhão, longe de qualquer perigo. Vitório ressentia-se pela absoluta
falta de glória em sua militar. Além do mais, achava a rotina do
Exército monótona e irritante mas com dinheiro certo no final do mês. E
assim foi transferido para Passo Fundo. Depois para Juiz de Fora. Em
Juiz de Fora, aconteceu o seguinte: - Quem estiver com Getúlio, um passo
à frente. Vitório nunca soube porque deu aquele passo. Logo ele, nem aí
com a Política". Acabou sendo transferido para Natal quando Getúlio foi
deposto. Em Natal, o Coronel Boca de Bagre pediu a ele que fizesse um
discurso em homenagem às vítimas da Intentona Comunista (em 1935).
Vitório copiou a Ordem do Dia publicada pelo Boletim do Exército, só
alterando algumas frases. Por causa disto, foi repreendido por Boca de
Bagre considerado comunista e transferido para Corumbá, no Mato Grosso.
vitrines. Vitório foi transferido para o Rio de Janeiro. Depois de dois
anos usando borracha e lápis para alterar fichários, cada vez mais
desgostoso e humilhado com um trabalho banal que poderia ter sido feito
por qualquer cabo ou sargento, Vitório pediu transferência para a
Reserva (pendurou os coturnos). Como tinha direito a mais uma promoção,
aposentou-se como general para incorporar o salário. No entanto,
preferiu ser chamado de Coronel e não General de pijamas - como dizia o
pessoal da ativa. Vitório encerrou definitivamente a sua carreira
militar, tão sem brilho, levando na memória as barbaridades que
testemunhou pelos quartéis do Brasil - a miséria, a pobreza, a
precariedade. Alírio fez a primeira exposição individual no Rio de
Janeiro. Vitório continuou encarando com certo desgosto a profissão do
filho. Começou a pensar em escrever um livro, quem sabe aproveitar a
experiência dos anos no Exército e assim tornar o resto dos seus dias
menos penosos e inúteis. Além do mais, sempre fôra apaixonado pela
leitura. Tinha como referência grandes mestres! Então Vitória resolve ir
para Porto Belo, onde poderia escrever o livro e fazer uma horta. Elza
Alves negou-se a acompanhá-lo. Preferiu ficar perto do filho no Rio de
Janeiro. Obs.: Em certo ponto, ao escrever sobre as profissões de pai e
filho, o Coronel chega a sentir inveja de Alírio. Como pintor, Alírio
poderia alcançar a glória que ele, como militar, nunca tinha alcançado.
No entanto, como já sabemos, Alírio é um personagem fictício. Por isto o
Coronel se questionava: "Como admitir que um ser criado por ele o
suplantasse? E por que não sonhar com a glória para quem nasceu dele, se
o criador não conseguia alcançá-la?" Personagens: 1. Vitório de
Lima e Silva (que representava o próprio Coronel) 2. Elza Alves, a
esposa. 3. Alírio, o filho. 4. Ponciana, a namorada do filho. 5. Tenente
Correntino, um amigo da família Natal. 6. Coronel Boca de Bagre,
responsável pela transferência de Vitório para Corumbá. 7. O cão
Almofadinha. Obs.: Harry Laus foi crítico de arte. As cores estão
presentes, de maneira muito marcante, nas descrições dos cenários e na
profissão de Alírio, pintor.