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sexta-feira, 4 de junho de 2010
Os anos mais antigos do passado - Carlos Heitor Cony
Postado por Marlon às 19:04
Carlos Heitor Cony
tinha passado duas décadas sem publicar romance quando ressurgiu com
Quase memória (1995). Como cronista, publicou pouco em livro: Da arte de
falar mal (1963), O ato e o fato (1964) e agora este Os anos mais
antigos do passado que, como Quase memória, é livro que já nasce
clássico. Uma reunião de crônicas que vale como um volume de memórias.
Embora fragmentado em relatos de viagens, em recordações da infância, em
alegorias de fatos políticos (cheias de humor e sarcasmo), em registros
da rotina do mundo fixados com o pulso do ficcionista, a espinha dorsal
do livro é uma longa e mansa busca do tempo perdido. A sua fragmentação
é condicionada sobretudo pelo exercício diário que define o gênero, mas
suas páginas não deixam de nos transmitir o gosto difuso e fascinante
da grande aventura da vida. Seja através da visão retrospectiva dos anos
mais antigos do passado (elemento do memorialismo), seja pela notação
diária dos fatos transpostos num lirismo de primeira água. São as marés
montantes do passado, como queria Mário Quintana, que chegam sem avisar,
e tanto são motivo de apreensão quanto de surpresa e maravilhamento. A
face amargurada, marcante em Cony, dá sempre lugar a um certo tom
elegíaco e à índole lírica. As suas memórias, que a rigor talvez Cony
nunca escreveria, aqui estão, como em Quase memória, disfarçadas, quem
sabe exorcizadas. É a sua história, o belo e o feio da humana lida, que
aos poucos ele dilui e transfixa nos romances e nas crônicas. Neles,
Cony sabe rir como poucos deste circo do mundo, com toda sua carga de
frustrações e desastres, sua beleza e sua glória. Ri de um universo que é
regido dos altos tronos, seja por Deus, o diabo ou um ser qualquer que
se arrogue. Descido aos infernos de sua saudade e de sua incompreensão
das coisas, o cronista revive uma fantasia de carnaval antigo, as rezas
da mãe contra possíveis desgraças, os extraordinários balões que o pai
fabricava, os tantos personagens de rua do subúrbio do menino, o amigo
Otto Maria Carpeaux, a visão das mãos do pai morto, impressionante
visão: “Mãos que começaram a ficar mais brancas e mais quietas: dentro
delas, o nada cheio de tudo o que ele fora”. O lirismo é mesmo o
elemento fixador desses movimentos de fluxo e refluxo da memória, pois
Cony vê as coisas com os olhos transfigurados do poeta. Se podemos dizer
que o seu humor é uma doce herança machadiana, na crônica sua veia
lírica só encontra paralelo em escritores da estirpe de Rubem Braga,
Antonio Maria e Drummond. E também José Carlos Oliveira ou o Tabajara
Ruas de Um porto alegre (Mercado Aberto, 1998). São cronistas que
escrevem iluminados pelo poeta que não deixam de ser. Líricos deste
tempo escuro e trepidante.