Resumo do Livro:
Urupês não contém uma única história,
mas vários contos e um artigo, quase todos passados na cidadezinha de
Itaoca, no interior de SP, com várias histórias, geralmente de final
trágico e algum elemento cômico. O último conto, Urupês, apresenta a
figura de Jeca Tatu, o caboclo típico e preguiçoso, no seu comportamento
típico. No mais, as histórias contam de pessoas típicas da região, suas
venturas e desventuras, com seu linguajar e costumes.
Enredo
Os Faroleiros – O narrador, em meio a um bate-papo,
propõe-se a contar uma história surpreendente. Relata que, seduzido pelo
ar solitário e isolado de um farol, consegue realizar seu sonho
passando uns dias nesse local. É quando conhece duas figuras misteriosas
que não se conversam: Gerebita e Cabrea. O primeiro defende a idéia,
insistentemente confessada para o narrador, de que o segundo está louco.
Pergunta então se seria crime se defender de um ataque de um maluco
matando-o. É uma premonição, além de deixar nas entrelinhas que o que
está para ocorrer tinha sido premeditado. Pouco depois, os dois
mergulham num duelo sangrento, em que Gerebita consegue matar o seu
oponente com dentadas na jugular. Quando o narrador abandona o farol,
massacrado por experiências tão carregadas, toma conhecimento dos
motivos que levaram a essa tragédia. Gerebita fora casado com uma mulher
chamada Maria Rita, que o trocou por Cabrea, que também é trocado por
outro homem. Tempos depois o destino fez com que os dois fossem nomeados
para trabalhar no mesmo farol, passando a estabelecer uma convivência
de tensão surda.
Não deixe de notar que a narrativa várias vezes se abre para que haja
comentários dos ouvintes com o enunciador. É uma maneira de o texto não
ficar pesado, cansativo. Além disso, deve-se observar as técnicas
expressionistas (o exagero que beira o grotesco) e naturalistas
(preferência pelos aspectos escabrosos do comportamento humano).
Finalmente, não se deve perder de vista que este conto foge ao padrão de
Monteiro Lobato, já que não é regionalista. Passa-se no litoral, ou
seja, bem longe do seu conhecido Vale do Paraíba.
O Engraçado Arrependido - Trata-se da história de
Pontes, um típico piadista, que consegue arrancar risos nos atos mais
simples. Até que um dia resolve ser sério, desejo que não consegue
realizar, pois sempre imaginam que é mais uma peça que está pregando.
Tenciona, pois, arranjar um cargo no funcionalismo público, o que só
obterá se surgir uma vaga, conforme avisa seu padrinho. Resolve, de
forma maquiavélica, atacar Major Antônio, homem extremamente sério e que
sofre de um aneurisma prestes a estourar por qualquer esforço. Seu
plano, pois, é matá-lo com suas piadas e assim ficar com o seu emprego.
No começo parece difícil, devido ao caráter circunspeto do doente. Até
que, depois de muitas pesquisas sobre o gosto humorístico da vítima,
consegue dar o golpe fatal. Mergulha, a partir de então, no remorso,
isolando-se de todos. Semanas depois, recuperado, volta à ativa, mas
descobre que havia perdido a vaga, pois a demora provocada por seu
sumiço forçara a nomeação de outra pessoa. O protagonista enforca-se com
uma ceroula, o que para a cidade acaba sendo visto como mais uma piada.
Note como neste conto o psicológico acaba se resvalando para o
patológico, para o anormal, o patético, o exagerado. Observe, também,
que ainda não é aqui que se manifesta o caráter regionalista do autor.
A Colcha de Retalhos – Neste conto já se manifesta a temática
que tanto consagrou o seu autor: a crítica à decadência da zona rural. O
narrador faz uma visita a Zé para propor-lhe negócios. No entanto, este
recusa, o que revela sua indolência. Esse seu caráter é responsável
pela decadência e atraso em que se encontra sua fazenda, reforçada pelo
desânimo de sua esposa e pelo caráter arredio de sua filha, Pingo ou
Maria das Dores. A única firme, forte, é uma velha, verdadeira
matriarca. Mas é por pouco tempo. Anos depois surge a notícia de que
Pingo, verdadeiro bicho do mato, havia fugido com um homem para manter
uma relação desonrosa. É a derrocada final. A mãe da moça morre, o pai
mergulha mais ainda na decadência e a matriarca já não encontra mais
motivos para sua existência. O momento mais tocante é quando ela passa a
descrever para o narrador a colcha que estava costurando durante anos,
toda composta de peças de roupa que Pingo ia usando e dispensando desde
recém-nascida. O último pedaço estava reservado para um retalho do
vestido de noiva, que não chegou a existir.
Note como a decadência em que a menina mergulha é um símbolo da
decadência rural. Note também o colorido da linguagem do contista, que
retrata com fidelidade o andamento do registro oral de suas personagens,
como no trecho “Des’que caí daquela amaldiçoada ponte”, entre tantos
outros.
A Vingança da Peroba – Mais um conto que critica a
decadência rural provocada pela indolência dos fazendeiros. Há aqui uma
oposição entre duas famílias, os Porunga, fortes e de vida bem
estabelecida, graças à força de vontade de suas ações, e os Nunes,
mergulhados na preguiça, desorganização e cachaça. Os dois clãs
desentendem-se por causa de uma paca, há muito desejada pelo Nunes, mas
que acabou sendo caçada por um Porunga. Movido por uma mistura de
rivalidade e de inveja, Nunes resolve finalmente investir em suas
terras. Seus esforços têm fruto, gerando uma boa colheita de milho.
Resolve então construir um monjolo, pois não quer ficar atrás do seu
vizinho em desenvolvimento. Corta uma peroba imensa, que estava na
divisa das duas terras. Já há aqui motivo de desentendimento, que
arrefece quando os Porunga resolvem não brigar mais pela árvore.
Semelhante ao conto “Faroleiros”, há o emprego da premonição no meio da
narrativa. Um aleijado, que havia sido contratado por Nunes para ajudar
na construção do engenho, conta uma história de que certas árvores se
vingam por terem sido cortadas. O fato é que o monjolo é construído, mas
todo torto, produzindo mais barulho do que outra coisa, o que justifica
o seu apelido: Ronqueira. Decepcionado e envergonhado, mergulha na
cachaça. Um dia, depois que ele e seu filhinho se embebedaram, acaba
adormecendo na rede. Acorda com a gritaria das mulheres de sua casa: o
engenho havia esmagado a cabeça da criança no pilão. Irado, Nunes
destrói a machadadas a máquina assassina.
Um Suplício Moderno – Este conto apresenta o estafeta,
uma espécie de carteiro, como o tipo mais humilhado das cidades do
interior. Trata-se da história de Biriba, um pobre coitado que acaba se
tornando o burro de carga de todas as pessoas de Itaoca, que ainda
cometem o desatino de reclamar dos favores que faz para elas. Sua
paciência esgota-se a ponto de pedir demissão, mas não o deixam levar
adiante seu plano. Era interesse de todos ter alguém tão submisso. É
quando resolve se vingar, traindo Fidêncio, seu superior. Recebe um
pacote muito importante para as eleições. Não o entrega, sumindo com ele
por dias. É o motivo da queda do maioral, provocando a subida do
inimigo, Evandro, que não poupa quase ninguém do antigo governo, apenas o
pobre Biriba, recebido de forma bastante atenciosa. Provavelmente
desconfiando que tudo iria continuar como antes, mudados apenas os
personagens, some de Itaoca.
Meu Conto de Maupassant – Essa narrativa é norteada
pelos temas do amor e da morte, comuns em Maupassant e grandes elementos
vitais de Lobato. O narrador, ao passar de trem diante de uma árvore,
um saguaraji, lembra-se de um crime ocorrido há muito. Tudo havia
começado com o aparecimento, nas redondezas daquele vegetal, do cadáver
decapitado de uma velha. Investigações são feitas e tem-se como
principal suspeito um italiano, que consegue se safar, já que não havia
provas. Os anos passaram-se e novos indícios surgem sobre o caso,
levando o italiano, que havia sumido no Brás, a ser mais uma vez
conduzido para a justiça. Durante toda a viagem de trem, o acusado não
deu trabalho algum, mostrando-se por demais submisso. Até o momento em
que o veículo passa diante do saguaraji. É quando o sujeito se atira
para fora do transporte, sendo depois encontrado morto junto à árvore.
Fica a idéia, por muito tempo, de que o remorso pelo crime cometido o
havia conduzido ao suicídio, no entanto, tudo é desfeito quando o filho
da assassinada confessa o delito. Mergulha-se, pois, no clima de
mistério à Maupassant.
Pollice Verso – Narra-se a história de Inácio, alguém
que já de criança mostrava um gênio negativo ao gostar de dissecar
pássaros. Seu pai, homem dotado de linguagem empolada (o que o tornava
uma ilha em seu meio tão pobre intelectualmente) via nesse costume, no
entanto, uma tendência para a Medicina e dedica todas as suas forças em
ver seu filho seguindo essa carreira. O rapaz acaba realizando o sonho
do pai, mas torna-se um pelintra, mais preocupado em se exibir e
conseguir o mais rápido possível dinheiro para voltar aos braços da
amante francesa, Yvonne, que havia conhecido nos tempos da faculdade.
Seu bilhete de loteria é conseguir cuidar de um ricaço, Mendanha. Sua
intenção não é curá-lo, pois não seria tão lucrativo quanto a morte, que
lhe possibilitaria cobrar uma quantia exorbitante. Com o falecimento do
paciente, a família recebe a conta, que acha exorbitante, levando a
questão ao tribunal. Ali, Inácio conta com o corporativismo, já que os
outros médicos (tão menosprezados pelo recém-formado) dão-lhe parecer
favorável. Viaja, pois, para Paris, enganando a todos, dizendo que tinha
se estabelecido na carreira e estava em contato com gente do alto
quilate da medicina. Estava mais era curtindo a vida.
Bucólica – Outro conto regionalista que critica a
“lassidão infinita” da zona rural. Narra-se o atraso em que vivem Veva e
seu marido, Pedro Suão. Os dois têm uma filha, Anica, deficiente. Esse é
o motivo que faz sua mãe tratar-lhe mal, desejando a morte da pequena,
já que não vê utilidade em sua existência quase paralítica. O clímax,
temperado a doses de crueldade absurda, está no relato que Libória, a
empregada do casal, faz ao narrador. A menina havia morrido de sede,
pois a mãe havia-lhe negado água, mesmo sabendo que a coitada estava com
febre. O mais trágico é que a única que atendia às vontades da enferma
era a criada, que naquele momento estava retida fora da casa graças a
uma chuva torrencial que aparecera. O funesto está no fato de a mocinha
ter se arrastado até o pote d’água, morrendo ao pé deste.
Note como o título do conto estabelece uma gigantesca ironia com relação
ao seu conteúdo.
O Mata-Pau – A história deste conto é introduzida por
meio da simbologia do mata-pau, planta que surge discretamente numa
árvore, mas que com o tempo cresce a ponto de sugar-lhe toda a seiva.
Estabelece-se, pois, relação com Elesbão e Rosa, que há muito queriam um
filho, mas não conseguiam. Até que no meio de uma noite surge uma
criança na terra deles. Adotam-na, batizando-a de Manuel Aparecido.
Quando cresce, acaba tendo um caso com a madrasta. Dominado por
sentimento malignamente possessivo, mata o padrasto e depois consegue
fazer com que Rosa passe a fazenda para o nome dele. Vende tudo e some
com o dinheiro, não sem antes trancar a ex-amante em casa, que
incendeia. A sorte dela é que, além de conseguir escapar, enlouquece, o
que é-lhe um alívio, pois não tem noção da miséria em que caiu a sua
vida.
Bocatorta – Conto carregado de elementos macabros e
expressionistas. É a história de Bocatorta, uma figura hedionda e
deficiente que vive isolado no meio do mato. Sua biografia é relatada
numa reunião familiar, o que desperta a curiosidade em vê-lo. Uma das
meninas, Cristina, fica com medo, mas acaba indo, encorajada pelo noivo.
Assolada pelo medo e fragilizada pela mudança de clima que ocorre
durante a viagem, fica doente, terminando por morrer. Mais tarde, um
rapaz que gostava muito dela percebe algo estranho no cemitério e corre
para pedir ajuda. Quando todos chegam lá, descobrem Bocatorta violando o
cadáver da moça, em pleno ato de necrofilia. Acaba sendo perseguido,
morrendo afogado num atoleiro que existia lá por perto.
O Comprador de Fazendas – Quase como para aliviar a
leitura depois de dois textos tão pesados, este conto mostra-se mais
jocoso. É a história de Moreira, dono da fazenda decadente – mais uma
vez esse tema! – Espiga, que não consegue ser vendida, assim como sua
filha Zilda não consegue arranjar casamento. Até que surge Trancoso,
sujeito bem afeiçoado e que se mostra interessado em comprar a
propriedade. Surpreendentemente, é o primeiro que se mostra a elogiar
tudo, o que faz com que seja bem tratado, podendo até cortejar Zilda.
Parte, prometendo fechar negócio em uma semana. Com a demora da
resposta, Moreira faz pesquisas, descobrindo que o indivíduo ganhava a
vida andando de fazenda em fazenda, sempre se mostrando interessado em
comprar, o que lhe garantia casa e comida por alguns dias. O
proprietário, frustrado, fica irado. Tempos depois, Trancoso ganha na
loteria e retorna à Espiga, dessa vez para comprá-la realmente, mas é
recebido com uma surra de rabo de tatu. Vai-se, aí, o sonho de vender a
fazenda e de casar Zilda.
O Estigma – Bruno, narrador, conta a história de seu
amigo, Fausto, que se casou praticamente interessado em dinheiro, já que
o relacionamento era o que se chamava “face noruega", ou seja,
semelhante ao lado de uma vegetação em que não bate sol. Tudo se
complica quando o marido se envolve com uma prima, Laurita, muito mais
jovem do que a sua esposa. Até que a mocinha aparece morta com um tiro
no peito. Suspeita-se que tenha se suicidado e o narrador chega a pensar
que de remorso por manter um relacionamento adulterino. Tempos depois, o
filho de Fausto nasce, apresentando uma marca no peito, na mesma região
que Laura havia atingido para pôr fim a vida. Desenvolve então a teoria
de que aquela criança, quando feto, fora a única testemunha do crime
cometido por sua mãe. Em outras palavras, não houve suicídio, mas um
crime passional e a criança veio ao mundo para denunciar sua
progenitora. Assim que vê esse sinal, mostra para a esposa, dizendo:
“Olha, mulher, quem te denuncia!”. Em pouco tempo está morta. O
narrador, que visita a personagem muitos anos depois, pôde ver o sinal e
descobrir que era tudo ilusão, pois não havia como a marca presente no
peito da criança provar ou mesmo denunciar qualquer coisa.
Prefácio da 2ª Edição de Urupês – Explica-se aqui o que
levou Lobato a produzir seus textos sobre a indolência do caipira. Tudo
havia começado com um comentário para o jornal em linguagem vazada de
emotividade e estilo, o que despertou nos leitores um desejo por mais
textos do mesmo quilate.
Velha Praga – O artigo que transformou um “fazendeirinho” em
literato disserta, de forma indignada e irônica, sobre o atraso do
comportamento do caboclo, que praticamente põe toda a validade do solo e
da agricultura a perder por causa de seu costume bárbaro de realizar
queimadas.
Urupês – Este é um dos mais famosos textos de Monteiro
Lobato. Nele, desanca uma crítica das mais ferozes que já se fez sobre
qualquer tipo nacional. O alvo de seu ataque é o caboclo. Derrubando uma
tradição cara, inaugurada por José de Alencar, que apontava como a
mestiçagem do índio com o branco como geradora de uma nação forte,
Lobato crê no contrário. Sua teoria institui a tese do caboclismo, ou
seja, a mistura de raças gera um tipo fraco, indolente, preguiçoso,
passivo. Sua religião manifesta-se por meio das mais primitivas formas
de superstição e magia. Sua medicina é mais rala ainda. Sua política é
inexistente, já que vota sem consciência, conduzido pelo maioral das
terras em que mora. Seu mobiliário é o mais escasso possível, havendo,
no máximo, apenas um banquinho (de três pernas, o que poupa o trabalho
de nivelamento) para as visitas. Não tem sequer senso estético, coisa
que até o homem das cavernas possuía. E quanto à produção, dedica-se
apenas a colher o que a natureza oferece. É, portanto, o protótipo de
tudo quanto há de atrasado no país.
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