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domingo, 24 de outubro de 2010
Um Copo de Cólera - Raduan Nassar
Postado por Marlon às 13:46
Escrita em apenas 15 dias, no ano de
1978, Um copo de cólera é a novela essencial da literatura moderna e
contemporânea. Nas palavras do escritor: "Disse que escrevi a narrativa
em quinze dias, mas esses quinze dias foram só o tempo de descarga. É
que a novela deveria estar em estado de latência na cabeça, e sabe-se lá
quanto tempo levou se carregando, ou se nutrindo - de coisas amenas,
está claro - e se organizando em certos níveis, até que aflorasse à
consciência". Mais uma vez, a exemplo de Lavoura Arcaica, a carga
ideológica opositiva entre amantes - neste caso - marca e dá
consistência à obra de Raduan Nassar. Aqui, não mais um filho
adolescente descobrindo a delinqüência corporal e moral da existência, e
sim um adulto, calcado, machucado pelos reversos do tempo. Seria talvez
esse adulto o adolescente que fora André em Lavoura Arcaica? Muito se
indaga a esse respeito, mas evidências ainda estão por vir à tona para
corroborar a questão. Mas semelhanças, de fato, existem. Na contramão do
discurso ideológico do adulto está sua amante, afeita às causas
sociais, e aos discursos cristalizados da modernidade em geral, lutando
para imprimir seu verbo latente, e vice-e-versa. O estopim do "esporro"
entre os dois se dá num dia aparentemente calmo, após uma convulsiva
noite de sexo, ao se encontrarem na mesa do café, num silêncio
constrangedor, pela manhã. O que tira a ordem do dia é justamente um
bando de formigas que estraga a cerca viva que ele havia feito no
quintal. O impulso voraz com que se envolve com o acontecido provoca na
amante indignação suficiente para indagar a respeito do desvairio. Daí
se cria o terreno propício para o verbo escandalizado vir à tona. Ele se
enlouquece com a organização ordeira das formigas, transportando todo
esse furor à amante que, não menos desvairada, enfrenta a discussão
armada com alfinetes politizados: "Só um idiota recusaria a precariedade
sob controle, sem esquecer que no rolo da vida não interessam os
motivos de cada um - essa questãozinha que vive te fundindo a cuca - o
que conta mesmo é mandar a bola pra frente, se empurra também a história
co'a mão amiga dos assassinos; aliás teus altíssimos níveis de
aspiração, tuas veleidades tolas de perfeccionista tinham mesmo de dar
nisso: no papo autoritário dum reles iconoclasta - o velho macaco na
casa de louças, falando ainda por cima nesse tom trágico como protótipo
duma classe agônica... sai de mim, carcaça" A cólera a que remete o
título da novela corresponde ao fluxo verbal que toma conta das
personagens nesse momento de fúria, onde razão e emoção não mais se
dissociam, e tornam-se, sobretudo, uma massa amorfa que tem como alvo a
destruição do outro, ou ainda, a autodestruição. Como resultado do
embate, restam, nas almas desgastadas, um barulhento silêncio e um
abarrotado vazio.