Chalaça
quer dizer zombeteiro, gracejo, caçoada. Narrada em 1ª pessoa, esta
obra constitui-se do caderno de anotações de Francisco Gomes da Silva,
conselheiro do Império, que, durante um bom tempo, foi um dos mais
importantes auxiliares e o mais próximo de Dom Pedro I. Houve quem o
chamasse de alcoviteiro e safardana, mais tais acusações não passam de
calúnias. Se o chalaça - este era seu apelido - conseguiu ascender de
simples serviçal a um dos mais influentes homens do Império brasileiro,
isto aconteceu principalmente graças à sua privilegiada inteligência.
Além de habilidoso conselheiro, este companheiro de D. Pedro I foi
também um brilhante filósofo, conforme demonstram algumas de suas
teorias que aqui estão. Como pôr exemplo aquela na qual ele estabelece a
profunda relação entre o fluxo sangüíneo e o funcionamento do cérebro
no momento da cópula, o que explica tantas e tantas atitudes masculinas.
O personagem esteve em todos os grandes acontecimentos da jovem nação
brasileira: gritou, junto com o imperador, às margens do Ipiranga,
escreveu a primeira Constituição e dissolveu com bravura a primeira
Assembléia Constituinte. O chalaça foi, enfim, um exemplo acabado de
homem e estadista, e constituiu-se num modelo muito imitado pelos
brasileiros, desde aqueles tempos até os dias de hoje. Mas Francisco
Gomes também sabia fazer rir. Não é à toa que seu apelido significa
gracejo, caçoada, zombaria. Seu humor fino e inteligente, seu talento
musical (tirava inspirados lundus de sua viola) e sua habilidade ao
intermediar os encontros de D. Pedro I com as filhas de Eva fizeram com
que ele fosse a companhia favorita do imperador enquanto não admirava as
flores pelo lado da raiz. Pode ser que o Chalaça, em seu diário, falte
com a verdade em alguns trechos, mas não o julguemos mal. Se há exageros
e omissões em sua narrativa, é porque assim funciona a memória,
prolongando vitórias e dissimulando derrotas. Talvez por conta disso ele
seja acusado de imprecisão histórica. Chalaça, um píncaro por
excelência, teria escrito algumas das páginas mais elegantes e
divertidas de que se tem notícia sobre os termos do Primeiro Império.
Estávamos lá eu, o Caldeira Brant, que recentemente recebera o título de
Marquês de Barbacena, o gentil-homem do paço João da Rocha Pinto e o
criador de cavalos João Carlota. Estes dois eram figuras assíduas nos
saraus e eu até já fizera com eles alguns negócios. O marquês eu
conhecia de vista e era uma das principais vozes do Império. Até então
havíamos trocado apenas alguns comprimentos de cabeça. O fidalgo usava
coletes engomados ao exagero e ostentava medalhas muito lustradas mesmo
nas mais simples recepções. Entramos numa sala um tanto pequena em que
havia apenas uma mesa redonda com cinco cadeiras. Eu. como secretário
particular de Sua Majestade, obviamente, deveria ficar ã sua direita,
mas o marquês se antecipou e tomou a cadeira na qual eu costumava
sentar-me. "Este era o seu lugar? Perdão, não tive intenção, queria
sentar-me. Pensei que os nobres sempre tivessem a preferência de se
assentar à direita do soberano." Ele já ia se levantando quando pus a
mão em seu ombro. Não podia deixar que ele se mostrasse tão superior aos
olhos do Imperador. "Por favor, Marquês, não queira se incomodar; o
Imperador é canhoto mesmo."
Resumos / Material
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