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Resumos / Material

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quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Libertinagem -Manuel Bandeira

Libertinagem - Manuel BandeiraOs poemas de Bandeira nascem e crescem dos acontecimentos mais cotidianos, mais comuns, dos momentos que aparentemente sâo banais e insignificantes. Do dia-a-dia mais desapercebido desentranha sua poesia, em que instantes da existência aparecem transfigurados em pura essencialidade da vida.Detalhes prosaicos e perdidos na rotina descolorida dos dias revelam-se instantes de iluminação, instantes de transcendência e de proximidade da essência mais profunda e mais simples — da vida. O grande milagre da existência, a mais cotidiana, que a consciência da morte revelará como algo intenso, único, irrepetível.Sua linguagem coloquial e despojada atinge alguns dos momentos mais expressivos da língua: grande intensidade, grande condensação, com imensa simplicidade. Ao lado de Carlos Drummond, Bandeira é o grande incorporador do prosaico e do coloquial na poesia brasileira moderna.PneumotóraxMandou chamar o médico:- Diga trinta e três.- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...- Respire- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.Um dos mais conhecidos textos de Bandeira e de todo o Modernismo. O tema é claramente autobiográfico.Observe o tom coloquial e irônico, quebrado por uma frase-síntese de grande intensidade (segundo verso) e pelo final inesperado, desconcertante, do humor absurdo diante da morte sem remédio, final típico deFebre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.A vida inteira que podia ter sido e que não foi.Tosse, tosse, tosse.poema-piada característico da poesia moderna.PoéticaEstou farto do lirismo comedidoDo Iirismo bem comportadoDo lirismo funcionário público com o livro de pontoexpediente protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.Estou farto do lirismo que pára e vai averigüar nodicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.Abaixo os puristasTodas as palavras sobretudo os barbarismos universaisTodas as construções sobretudo as sintaxes de exceçãoTodos os ritmos sobretudo os inumeráveisEstou farto do lirismo namoradorPolíticoRaquíticoSifilíticoDe todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmoDe resto não é lirismoSerá contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e asdiferentes maneiras de agradarás mulheres etc.Quero antes o lirismo dos loucosO Iirismo dos bêbadosO lirismo difícil e pungente dos bêbadosO lirismo dos clowns de Shakespeere - Não quero mais saber do lirismo que não é Iibertação.Este texto equivale a um manifesto modernista. Metapoema, poesia que fala de poesia. Observe que ele apresenta negações e rupturas — contra as convenções que desfiguram a criação poética, em especial as do academicismo parnasiano — e apresenta, por outro lado, afirmações Iibertárias típicas da luta modernista (particularmente no final do poema). Observe o úItimo verso, frase-síntese, verdadeiro slogan do momento heróico do Modernismo.Vou-me embora pra PasárgadaVou-me embora pra PasárgadaLá sou amigo do reiLá tenho a mulher que eu queroNa cama que escolhereiVou-me embora pra PasárgadaVou-me embora pra PasárgadaAqui eu não sou felizLá a existência é uma aventuraDe tal modo inconseqüenteQue Joana a Louca de EspanhaRainha e falsa dementeVem a ser contraparenteDa nora que nunca tiveE como farei ginásticaAndarei de bicicletaMontarei em burro bravoSubirei no pau-de-seboTomarei banhos de mauE quando estiver cansadoDeito na beira do noMando chamara mãe-d’aguaPra me contarar as hístóriasQue no tempo de eu meninoRosa vinha me contarVou-me embora pra PasárgadaEm Pasárgada tem tudoÉ outra civilizaçãoTem um processo seguroDe impedira concepçãoTem telefone automáticoTem alcalóide á vontadeTem prostitutas bonitasPara a gente namorarE quando eu estiver mais tristeMas triste de não ter jeitoQuando de noite me derVontade de me matarLá sou amigo do reiTerei a mulher que eu queroNa cama que escolhereiVou-me embora pra Pasárgada...Texto-sintese da poesia de Bandeira, tanto de sua linguagem como de sua temática da vida que podia ter sido, que precisava ter sido — e que não foi. Observe a enumeração livre dos elementos que compõemPasárgada — lugar ideal, lugar de sonhos, lugar de desejos, onde a vida é o que deveria ser. Na segunda estrofe, observe a enumeração caótica, sem seqüência lógica, dos elementos. Observe também a extrema simplicidade da linguagem, junto da mais intensa expressividade.ConsoadaQuando a indesejada das gentes chegar(Não sei se dura ou caroável),Talvez eu tenha medo.Talvez sorria, ou diga.- Alô , iniludível!O meu dia foi bom, pode a noite descer.(A noite com os seus sortilégios)Encontrará lavrado o campo, a casa limpa.A mesa posta,Com cada coisa em seu lugar.Um dos mais conhecidos poemas com o tema da morte. Observe o tom sereno, familiar, camarada. Consoada, a ceia de fim de ano, no texto representa encontro simbólico com a morte. O poema apresenta um balanço do vivido, sem ilusões quanto à própria finitude, e não se desfigura diante da presença indesejada pelas gentes. Odia ti bom, com cada coisa em seu lugar. Observe também, tal como nos outros textos, a linguagem coloquial, a estrófica irregular, heterogênea, o verso livre.